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Depoimentos de pessoas que fazem a história da TV.
 
RICARDO CÔRTE REAL - Primeira Parte
 
A Televisão marcou sua vida.
Ricardo, pai, mãe e irmão, transformaram a TV na corte dos Real.
Juntos, viveram televisão 24 horas.
Ele é ator,apresentador, músico, compositor, escritor e um grande Homem de Marketing.
Convido todos a uma viagem maravilhosa pela vida desse grande amigo, Ricardo Côrte Real.
MAURICIO VALIM
 
Impressões da criança Ricardo do início da TV no Brasil

Na verdade, eu e a televisão brasileira nascemos quase juntos. Ela nasceu em 50, eu nasci em 52, 19 de julho de 1952. Em 54, quando eu tinha 2 anos, o meu pai foi a um programa de calouros, porque todos diziam que ele era engraçado. Então escreveu um texto, se candidatou a um programa de calouros numa emissora em que o meu tio Roberto trabalhava, na área de jornalismo, só que sem o meu tio saber. O programa era "O Céu ou Inferno", ou algo do gênero. Se o cara ia bem, vinha um anjinho e o levava para o céu; se o cara ia mal, vinha um diabo e o levava para o inferno. E o meu pai foi super bem e o anjinho o levou embora, daí veio a emissora e falou: "Olha! Quero contratar você". Era a TV Paulista... Meu pai foi contratado pela emissora e começou a trabalhar na televisão. E a partir dos meus dois anos, me lembro vagamente de ver o meu pai na caixona. Naquela época era um armário a televisão, com duas portas que abriam para ter a caixa de som embaixo. Daí fui crescendo, acompanhando a carreira do meu pai. A primeira vez que eu entrei num estúdio de televisão, eu tinha uns cinco ou seis anos, lá no Sumaré, no prédio onde hoje é a MTV. Meu tio Roberto apresentava um programa chamado "Night Clube Cinta Azul". O que me marcou foi o cheiro do estúdio, o cheiro daquela pasta usada para colar cenário e que pintavam em cima.

Até hoje eu tenho esse cheiro na minha mente e Sílvio Mazzuca tocando aquele instrumento maravilhoso, xilofone, numa orquestra. Realmente era um ‘night club’, uma boate, só que na televisão. Foi a primeira vez que eu vi câmeras de TV. Meu tio Roberto, de gravata borboleta, apresentava o programa. Eu fiquei extasiado. Me lembro também de... uma viagem que... se eu tomava ácido com cinco anos, eu não tomava nada, viu?(risos)... Eu peguei um táxi junto com os meus pais, naquela noite mesmo, e eu me lembro do banco traseiro do Chevrolet preto, como eram 90% dos táxis de São Paulo. Eu me lembro da gente saindo da emissora ouvindo uma música, de entrar no táxi ouvindo a mesma música e chegar em casa como se tivesse ouvido o disco inteiro. Quer dizer, eu imagino hoje, que o motorista devia estar ouvindo a Rádio Tupi no táxi. Então eu sai da Tupi, ouvindo a Rádio Tupi ( devia estar tocando no saguão ), entrei no táxi ouvindo a mesma música, e assim foi até chegar em casa... Então são os meus registros de rádio e televisão bem de criança mesmo. Lembro-me de ouvir sempre rádio dentro de casa... "Aquarela do Brasil", creme Rugol, aquelas coisas todas juntas. Lembro da primeira vitrola que chegou em casa e meu pai dublando "My Fair Lady"...  
 
A criança Ricardo e o trabalho na Televisão
Em 1962, quando eu tinha uns 9 anos, meu pai fazia um programa na Record junto com a minha mãe e um outro ator que ninguém mais em casa sabe o nome dele, ele fazia o papel do Confúcio, num programa chamado "As Aventuras do Comendador". O meu pai era o comendador que fazia as histórias dele e contava-as para a minha mãe, a Biloca, que era mulher dêle no programa.
Eles tinham um filho, o Confúcio. Muito bem, numa dessas guerras que se travavam, e se travam até hoje, de uma emissora pegar um ator de outra emissora, a Excelsior tentou contratar o meu pai. A Record cobriu a proposta e por fim a Excelsior levou o Confúcio. Terminou o programa, o Confúcio nunca mais apareceu. E meu pai ficou sem o filho no programa. Eu que tinha 9 anos e meio comecei a falar para o meu pai: "Eu sou o Confúcio. Ô pai, eu sou o Confúcio, estou aqui!", "Pô, você está louco?", "Ah estou aqui, me dá aqui que eu sei fazer... Me dá aqui que eu faço"... Perturbei bastante ele, nem sei por quanto tempo. Eu tinha um irmão mais velho e ele não estava nem aí. Ele não estava nem aí e eu estava ligadíssimo no negócio. Daí o meu pai falou: "Tá bom! ‘Peraí’ baixinho, fica calmo aí que eu vou pensar". Daí o meu pai repensou o programa, reescreveu o texto, incluindo o meu irmão como Friendenreich ( jogador de futebol famoso na época ), e manteve o papel do Confúcio para mim, porque tinha sido uma reivindicação minha. Manteve a Biloca que era a minha mãe e ele mesmo se intitulou Máximo Jacarandá, e nós éramos a família do "Papai Sabe Nada", que foi de 62 à 66 na TV Record. Levou para a Record o plano e falou: "Ó, esses filhos aqui outra emissora não pode contratar. Nem a minha mulher. A Record vai ter um programa realmente de família, como se fosse uma família, com uma família de verdade". E o programa foi super bem. Então foi assim que eu comecei na televisão: me oferecendo.
 
"Papai Sabe Nada"
E era uma delícia porque nesse programa além de nós da família, que era o núcleo do programa, o meu pai, como o Máximo de Jacarandá, era o dono da fábrica de chupetas Polegar onde trabalhavam o Jerubal Pascoal, chefe do pessoal; Durval de Souza; Arquibaldo Porpeta; ascensorista, Adoniran Barbosa; a dona Oswalda; Glady Mariza que era a secretária, uma maluca, uma atriz incrível; o maravilhoso Alegrete, Rubens Moral, ele era contra-regra ou assistente de estúdio e o meu pai descobriu que ele era um bom ator e ele virou ator.
Meu pai tinha muito essa coisa... A atriz que fazia a empregada tinha se mandado, daí ficamos sem a empregada. Daí o meu pai olhando uma mulher que ia na claque... ( tinha uma claque que assistia ao programa e que dava risada para deixar o clima "quente" como ainda fazem hoje nas séries americanas ) Ele olhou essa mulher: "Nossa! Essa mulher aqui é uma figura, muito louca!". Daí ele falou: "Você quer ser a empregada?", "Claro! Eu quero! Daí a Elizabeth ficou uns três anos com a gente no ar como a empregada do programa. O primeiro siticom deve ter sido "Alô Doçura", mas um siti com família, satirizando um similar americano, "Papai Sabe Tudo", esse foi o "Papai Sabe Nada".
Se não foi o primeiro, foi uns dos primeiros.
"Papai Sabe Nada"
 
"Papai Sabe Nada"
Programa "Papai Sabe Nada" - TV Record
 
Ensaios
Primeiro a gente ensaiava à noite e estudava de manhã. Muitas vezes durante o jantar a gente ensaiava, passava o texto... é, os atores estavam em casa, né?
Pelo menos a parte da família a gente fazia em casa. Então dava uma ensaiada umas duas ou três vezes por semana, à noite em casa. No dia da gravação que era numa Quarta-feira, a gente almoçava e já passava o texto durante o almoço e ia para a Record, onde ficava o dia inteiro gravando. No final do dia voltava prá casa e começava tudo de novo.
 
Assédio e o conjunto "Os Pulguentos"
Ah, não! Isso era uma loucura. Isso era muito louco. Mesmo naquela época. Quando mudamos de bairro, passamos para uma escola nova, estávamos na 3ª série do ginásio e nessa classe encontramos um conjunto já formado. Na época banda era conjunto. Eles ouviram a gente, no fim montamos um conjunto e na nossa classe estavam os cinco elementos... os maus elementos dos Pulguentos, que era a nossa banda.
Nome que o meu pai deu em inglês. Tudo era em inglês, a gente só pegava Beatles, Rolling Stones, e aquelas coisas. Daí um dia cheguei e falei para ele: "Pai fala umas coisas aí em inglês para a gente". Meu pai tinha um inglês super legal. Daí ele começou a falar um montão de besteiras em inglês. Ele falou Fleabags e eu perguntei: "O que é fleabags?" E ele: "Fleabags é pulguentos", "Ótimo! É isso mesmo!". Ficou Fleabags por um tempo até o dia em que a gente tocou no Brotos 66, na Record. A revista Intervalo fez uma matéria com a gente e só puseram a tradução do nome, Pulguentos. Daí resolvemos assumir o Pulguentos, e ficou Pulguentos. O baterista que era o Carlos Kirmayr, que depois foi o tenista número 1 do Brasil por um bom tempo; o Reinaldo Pugliese que é físico nuclear na USP, era o outro guitarrista; Dr. Paulo Flores Jr. que hoje é médico, por isso o chamo de doutor, toca comigo de novo no "Trimbo Zio", que é a minha banda atual; e o meu irmão Jú, que era o crooner do conjunto.
Éramos os cinco Pulguentos, todos na mesma classe. A gente estudava de manhã, os cinco já iam para casa, almoçavam lá e à tarde, rock’n roll nas veias. Meu pai ficava em casa também num escritório, escrevendo os textos de humor do "Côrte Rayol", programa que ele fazia com o Agnaldo Rayol. O "Papai Sabe Nada" acabou em 66 e eu fiquei um ano sem fazer televisão. Dos 14 aos 15 fiquei só nos Pulguentos.
 
"Família Trapo"
Quando eu estava no final do ano da 3a série, eu estava de segunda época, porque tinha vindo de um escola que não tinha nem francês e nem inglês nas 1ª e 2ª séries do ginásio. No inglês me virava bem porque tinha o meu pai, agora no francês... segunda época, eu e meu irmão. Só que aí foram em casa o Carlos Alberto de Nóbrega, Manoel Carlos e mais umas duas ou três pessoas da Record falar para o meu pai: "Olha! Queremos levar o Confúcio para a Família Trapo. Faremos um siticom família com o Golias e queremos levar o seu filho para ser o Sócrates. Tudo bem?". Aí o meu pai: "Fala com ele. Vê se ele quer". E eu falei: "É claro que eu quero!". "E aí Renato?". E ele: "Tudo bem, se ele passar de ano". Há! Há! Eu tirei nove em francês! E aí eu fui fazer o Sócrates dos 15 aos 18 anos na Família Trapo (1967 à 1970). E foi um sucesso, um arraso. Othelo Zeloni era o Othelo Pepino Trapo, o pai; Renata Fronzi era a Helena Trapo, a mãe; Cidinha Campos a minha irmã Verinha Trapo; Carlo Bronco Dinossauro, irmão de Helena Trapo, o cunhado folgado, meu tio Bronco. Meu mordomo, Jô Soares, era o Gordon. É até chique hoje falar que teve o Jô Soares de mordomo, né? E os convidados especiais que iam eram: Marília Pera, Pelé, Agnaldo Rayol, Roberto Carlos, Erasmo Carlos... todo mundo passava por ali. Jogadores que eu me lembro de ter conhecido foram o Tostão, o Raul que era do Grêmio... Todos os artistas iam.
 
Improvisação na "Família Trapo"
Na verdade ele o Golias era um dos que menos improvisava. Pelo menos na época ele era CDF, ele estudava bem o texto. Quem improvisava e jogava todo mundo na fogueira era o Zeloni, que era um grande ator, maravilhoso, uma pessoa incrível. Mas ele meio que levava aquilo na flauta, entendeu? E ele jogava, ele não tinha medo de colocar todo mundo na fogueira porque sabia que só tinha craque ali. Então ele mandava a ver, mesmo. E o Golias que não era bobo entrava na farra e detonava! Ele abria a boca e blau! Não precisava falar nada e bum, já foi... o publico vinha abaixo!
 
Sucesso na adolescência
É interessante! Vinha aquele monte de gente correndo... E a Record tinha um negócio que proporcionalmente era muito maior do que a Globo tem hoje. Tinha uma coisa de carinho com a emissora, das pessoas quererem chegar na emissora, juntava gente na porta. Quer dizer, hoje também deve ter também, obviamente, mas é diferente... naquela época era mais inocente, talvez... E tudo acontecia lá, parava o trânsito na Consolação. Era uma loucura, uma loucura!
 
As gravações
A gente fez em três, quatros lugares diferentes por causa dos incêndios. Começou na Consolação, o primeiro teatro Record que pegou fogo. Daí a gente fez provisoriamente um tempo no aeroporto. Que já tinha sido reconstruído depois do outro incêndio de 64, 65, por aí... É, a Record era ‘fogo’!
Era gravado ao vivo. No começo a Família Trapo era bem organizadinha, a gente recebia o texto na Segunda, na Terça-feira no máximo, estudava até Sexta, na Sexta a gente ia para lá no horário do almoço, ou um pouquinho depois do almoço, ficávamos a tarde toda ensaiando o texto, saía para comer um negocinho, voltava abria a cortina e pau... Gravava então na Sexta e no Sábado ia ao ar. E no próprio Domingo a fita viajava para outras praças porque ainda não tinha rede, tanto é que às vezes a gente fazia o show ao vivo em outras praças. Fizemos em Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Belém, Salvador. Lotavam os teatros. Por exemplo, nós fomos num teatro antigo, maravilhoso, de mil e oitocentos e pouco, tinha tanta gente querendo ver que tivemos que fazer duas sessões. Você acredita? Tinha muito mais gente querendo ver do que cabia no teatro. Era uma loucura! Chegava na cidade, tinha multidão no aeroporto... Em três anos que trabalhei na "Família Trapo", só uma vez paramos a gravação e refizemos uma cena. Era a última cena do programa e o Golias dava um tiro, e falhou o tiro. Então, o Nilton Travesso entrou lá e pediu ao publico: "Dá para vocês rirem de novo? Porque a gente vai ter que dar esse tiro outra vez".
Era o Nilton dentro do teatro e o Tuta no ônibus, onde ficavam os equipamentos de gravação.
O texto era do Jô Soares, Manoel Carlos e Carlos Alberto de Nóbrega. A duração do texto era de aproximadamente uma hora porque o texto era feito para uma hora. Se estourasse, tudo bem. E depois de um tempo, estourar o tempo foi uma prática comum da Record. Eles ampliavam o horário dos programas para segurar a audiência e faturar mais, acho que essa foi uma das razões que a levaram a uma queda feia de audiência. "Família Trapo" era um sucesso. E aí começou: de uma hora passou para uma hora e meia e no final, estávamos fazendo duas horas de programa. Era um massacre! Era ruim para quem trabalhava, era ruim para quem escrevia e também para quem assistia. Mas é verdade! A "Família Trapo" foi um marco da televisão brasileira. Não tem como negar.
 
Queda da audiência da TV Record
A Record tinha a REI, Rede de Emissoras Independentes, mas demorou muito para sair do papel e para realmente se tornar uma realidade. Acho que foi uma questão de decisão empresarial, mesmo. Eles não decidiram fazer a coisa que era para ser feita na hora. Daí a Tupi aproveitou e ainda para complicar, entrou a Globo. Logo depois entrou a Band. Quer dizer, a coisa se tornou diferente e eles ficaram meio com os pés fincados no passado se recusando a se atualizarem, a se modernizarem.
 
TV Record depois dos incêndios
Aquele negócio: ‘a necessidade é a mãe da invenção’ fez com que a Record virasse a maior emissora de shows do Brasil, por causa do incêndio dos estúdios do aeroporto.
De repente, da noite para o dia os caras se viram, de uma emissora completa que tinha estúdios e um teatro, que geralmente recebia personalidades internacionais, como Nat King Cole, Sammy Davis Jr., Marlene Dietrich, o Gene Barry, ator que fazia Bat Masterson, reduzidos para uma emissora que só tinha um teatro, um ônibus Mercedes Benz com duas máquinas de VT e quatro câmeras e o equipamento de som. Foi isso que virou a emissora. O que nós vamos fazer com o teatro? Shows! Então na Record todo o dia era dia de show. Quando não tinham dois shows no mesmo dia... Eu não me lembro qual era o show das Segundas-feiras; Terça era o "Côrte Rayol Show"; Quarta era Hebe; Quinta "Essa Noite se Improvisa", ou o "Show em Simonal"; Sexta-feira tinha o "Fino da Bossa", tinha o "Show do Dia 7"; no Domingo, "Jovem Guarda"...
 
 
Passagem pela TV Bandeirantes e ida para a Globo
Eu cheguei a fazer um programa com meu pai na Bandeirantes no mesmo tempo em que eu fazia "Família Trapo". Essa foi demais... não sei como a Record topou essa também... Tinha um programa que se chamava "Real Country Club Band", que era no teatro da Brigadeiro, onde se montava uma piscina e o programa se passava em volta dessa piscina. Tinha um quiosque e tocava a banda do programa e eu sempre ficava dando canja com a banda no programa, e fazia alguns quadros lá com eles... que loucura que era isso! O meu pai foi para o Rio de Janeiro fazer "Alô Brasil, Aquele Abraço", um programa da Globo. Era um programa que tinha representantes de vários estados do Brasil e o meu pai era o representante de São Paulo e tinha que levar atrações daqui. Isso foi em 69, 70.
 
Depois da "Família Trapo"
Eu tinha 18 anos, daí eu fui direto para a Globo, onde o meu pai já estava há algum tempo. O programa "Côrte Rayol" tinha terminado bem antes da "Família Trapo". A "Família Trapo" não tinha terminado quando eu saí. Colocaram um filho carioca no meu lugar e foi como se eu tivesse ido ficar na casa de uma família do Rio de Janeiro. Fizeram um truque porque eu saí. Daí eu fiz alguns quadros no "Balança Mas Não Cai" para não me deixar desocupado enquanto não começava o "Faça Humor, Não Faça Guerra" em que tinha os meus papéis mais ou menos definidos, inclusive o quadro dos hippies, que eram o meu pai e a minha mãe, e eu o filho careta. Foi em 1970, 71... A Globo já estava com tudo. Ela vinha desde 64 bombando bonito, apesar das acusações de que tinha usado o dinheiro da Time Life, enfim. Mas era uma emissora que estava com uma bala poderosa na agulha e tinha profissionais realmente ousados e competentes e um patrão que falava ‘Faz!’. Não tinha como não dar certo. Deu certo porque tinha que dar mesmo. Tinham vários fatores que colaboravam. Eu acho errado falar que foi a ditadura que ajudou... Eles poderiam até ter ajudado mais, mas não iria adiantar muito sem os profissionais que puseram as mãos e os cérebros na massa. Está aí porque é competente.
 
As gravações na Globo
Era um barato! Era bem desorganizado ainda. Para você ter uma idéia, a gente ia para lá toda Segunda-feira, entrava na Globo umas três da tarde, saia às seis ou sete da manhã do dia seguinte. Para gravar um programa de uma hora. Era uma loucura aquilo! O que mais me fazia segurar a onda, é porque enquanto não gravava, eu ficava nos camarins conversando com o Mário Lago, com o Mielle, com o Jô, com o Agildo, com o Paulo Silvino que eu adoro. Eu ria o tempo todo com esses caras. O que eu ouvia de histórias! E o Ari Fontoura... Nossa! Tinha um elenco espetacular e tinha o meu pai e a minha mãe também, para ajudar.
 
De solteiro, rico e famoso... para casado, pobre e anônimo
Eu tinha uns 19 anos e estava ficando meio cheio daquilo. Eu já estava questionando a televisão no terceiro ano da Família Trapo. E agora indo toda semana para o Rio e namorando em São Paulo, imagina! Começou a me dar uma vontade de desistir, comecei a falar que queria fazer outra coisa. Eu não me lembro do meu pai ter falado muita coisa quando eu quis sair da TV. Talvez até porque ele me conhecesse e soubesse que não adiantaria. Ele sabia disso porque desde o primeiro programa, ele viu que eu era voluntarioso, que da mesma forma que eu batalhei para entrar, eu iria batalhar para sair. Quando eu falei que era o Confúcio, ele falou: "Não, que nada, não vai trabalhar em televisão nada, você vai estudar", ele também não queria que eu fizesse televisão, mas você acha que eu desisti? Desisti nada. E ele respeitou a minha saída. Nessa época eu comecei a estudar Comunicações. Comecei a me encantar com o mundo da Publicidade e da Propaganda. Um dia, cheguei para o Boni e falei: "Boni, pelo amor de Deus! Eu não agüento mais isso aqui. Ficar vindo toda semana... eu não quero fazer isso. Não tem outra coisa para fazer na Globo sem ser ficar aparecendo na televisão?". Aí o Boni: "Ah! Vai para São Paulo, que eu vou pensar em alguma coisa para você". Ficaram seis meses pensando, ou não pensando o que eu iria fazer, e eu recebendo sem fazer nada. Eu ia todo mês receber e ia para a sala do Luis Guimarães, a sala do Paulo Mansur e falava: "O que eu vou fazer?". Daí resolveram me colocar no "Jornal Hoje". Eu fiz uma semana e falei que não era isso: "Não quero aparecer... Eu quero fazer outra coisa. Estou estudando comunicações, eu quero algo ligado ao Marketing", "Ah, já sei! Vai falar com o Yves Alves". Ele era o superintendente comercial da TV Globo de São Paulo. Fui conversar com ele e ele: "Legal! Estou precisando de um cara como você aqui. Você vai ser o meu assistente". Daí comecei como assistente do departamento comercial da TV Globo. Ao mesmo tempo, casei. Isso na tenra idade dos 20 anos. Aí o que aconteceu? Passei de: famoso, rico e solteiro, para: pobre, casado e anônimo. Fiquei uns seis meses como assistente do Yves e aí vagou um lugar de assistente de contato. Aí, eu falei: "Ives, sabe que eu sou o seu assistente, mas eu sou muito novo e você já é muito poderoso. Essa função é muito complicada. Não é melhor eu ser contato... vou visitando as agências...
Ele falou com o Dionísio Poli, que era o diretor da época, que topou: "Tudo bem, manda ele pra cá!". Daí virei assistente de contato do Ricardo Scalamandré e comecei a fazer parte da equipe comercial da TV Globo, com 21 anos mais ou menos. Foi o começo da minha carreira profissional na área comercial de veículos de comunicação.
 
Contato comercial da Rede Globo
Nessa época, a gente vendia o "Première Mundial", que era o cinema da Globo, e "Jornal Nacional". Havia outra equipe que vendia as novelas e outra para os shows. Tinha o Sílvio Santos ‘atrapalhando’ o Domingo com suas oito horas. Todo mundo do comercial ficava louco porque o Silvio Santos furava o esquema fazendo o comercial ao vivo, falando no ar enquanto a gente vendia o ‘break’. Ele comprava o horário, mas ele não poderia comercializar o horário fora de determinadas praças, então essas praças deveriam ser vendidas pelo departamento comercial da Globo, da qual eu fazia parte. Eu chegava aos anunciantes e falava: "Então, por que você não anuncia nesse horário? O Sílvio Santos é bom, tem audiência, a gente pode veicular o seu comercial nessas praças...", e os clientes respondiam: "Ah, não! Eu já faço direto com o Sílvio, ele fala no ar e já sai para todas as praças". Faziam o contato direto com a equipe dêle, claro!

E tinha ainda a credibilidade do apresentador falando ou cantando com o auditório: "Aprendi desde menina, que a cera é Colmeína". Ele cantava o jingle com o auditório, com as colegas de trabalho. Gênio, né? Então, era só reclamação lá dentro do departamento comercial e porque a gente não conseguia faturar porque a equipe dele já havia faturado na nossa frente. O Walter Clark era o cara que realmente inspirava essa turma. Em São Paulo era o Yves, e abaixo dêle dois diretores: o Nonato Pinheiro e o Dionísio Poli.

 
Departamento Comercial X Departamento Artístico
Obviamente tinha conversa entre o departamento comercial e o artístico, mas eu acho que o artístico era mais forte, mesmo porque sem audiência, também não adianta sair vendendo.
Então se o artístico falasse para você: o que dá audiência é isso aqui, não me interessa o quanto a Shell, ou então outro anunciante vai colocar, tem que fazer isso aqui, senão vai me derrubar a grade... e não derrubava mesmo.
O interesse comercial vinha atrás do artístico, e tudo funcionava muito bem, principalmente porque no comando existia a dupla dinâmica, Boni & Clark, que era muito boa nas duas áreas, na artística e na comercial.
 
 
Globo, do Rio para São Paulo
A Globo era uma emissora do Rio, tinha muito faturamento no Rio. Tinha uma época que era assim: todas as marcas de cigarro eram no Rio de Janeiro, todas as petrolíferas eram do Rio de Janeiro, Coca-Cola, laboratórios... Então tinha muita verba no Rio que fazia que no Rio fosse a superintendência comercial da rede. E também tinha uma certa rejeição à Globo em São Paulo. Tanto de público como de mercado. A Globo demorou muito mais para conquistar São Paulo em todos os aspectos do que no Rio de Janeiro. Também, quando conquistou São Paulo, Bum! Cresceu muito o faturamento, tanto que já faz alguns anos que a superintendência comercial da Globo é em São Paulo, chefiada pelo Otávio Florisbal.
 
Rede Nacional X Regional
Como São Paulo fatura mais, São Paulo começa a mandar na programação.
A rede, obviamente é legal e tem um interesse, tanto artístico quanto comercial, mas acredito que ela deveria ser limitada a um período menor na grade de programação. Todas as emissoras tinham de ter um espaço bem grande para a sua programação regional, porque as pessoas são diferentes no Brasil. Não são iguais. O Brasil é um mundo. Cada estado do Brasil tem uma particularidade, um jeito de ser, um jeito de falar, um jeito de pensar... então, quantos programas poderiam estar funcionando muito melhor naquela praça do que o que está sendo enviado pela rede. E a praça é obrigada a colocar aquele programa no ar. O telespectador vai ficar vendo porque a rede mandou? Ele muda de canal. Hoje em dia, o maior faturamento é São Paulo. É uma preocupação de negócio. O que acontece? São Paulo concentra os maiores anunciantes do país e é uma praça que tem o maior percentual no rateio de uma veiculação nacional. Então, vamos dizer que a Coca-Cola faz uma veiculação nacional na TV Globo, tá? Como é calculado o valor de cada praça na tabela de preços da Globo? São Paulo é (+ ou -) 40% da tabela. Por quê? São Paulo é quem tem mais aparelhos de televisão, tem mais audiência, tem maior poder aquisitivo da população.
Então se São Paulo tiver uma audiência menor, ela abala toda a audiência da rede e o faturamento também.
 
Percurso profissional em Publicidade
Fiquei dois anos e meio na Globo, daí fui para o departamento comercial da Bloch Editoras e vendia páginas para publicidade na revista "Desfile". Daí eu fui para a Editora Três e vendia as páginas das revistas "Mais" e "Vogue". Da Editora Três, fui trabalhar em atendimento de agência de propaganda, F/BA Levi que depois mudou o nome para Novagência de Propaganda. Eu atendia contas como: Caixa Econômica do Estado de São Paulo, Secretaria de Turismo, Shopping Center Iguatemi, Matarazzo, e outras. Aí comecei a fazer as primeiras coisas para aparecer de novo na televisão, mas muito devagarinho. Fiz um comercial para a Henry Matarazzo, como ator. Eu era do atendimento, mas o cara: "Pô, mas você poderia fazer um comercial, você é tão bom aí. Você está fora da televisão...". Daí peguei e fiz o comercial. Foi a marca da volta... e um dinheirinho. Mas isso foi em 76, quase 77. Fiz esse comercial e fiquei quieto de novo. Daí fiquei sócio de um estúdio de produção de áudio, era a Vapor Produções Sonoras. Tinha um estúdio maravilhoso, 16 canais, na época fazia discos, alugava para as produtoras e fazia jingles também. E eu que era um fanático por rádio, mergulhei nesse universo dos jingles. Cheguei a colaborar na produção do primeiro disco da memória do jingle, no Rio de Janeiro, produzido pelo Clube de Criação do Rio de Janeiro. E de lá para cá não parei mais de colecionar jingles, cantar jingle, ouvir jingle, até cheguei a fazer jingle, também. Tem muitos músicos que têm preconceito de fazer jingle. Eu acho que o jingle é um exercício de criação, de criatividade, maravilhoso, porque é você fazer música com briefing. Não é chegar e dizer que você está inspirado. Não, não! É o seguinte queridão, ‘só Esso dá ao seu carro o máximo’, entendeu? Você tem que fazer um jingle de 15 segundos ou trinta, vendendo essa idéia. "Só Esso dá ao seu carro o máximo. Só Esso dá ao seu carro o máximo. Só Esso dá ao seu carro o máximo. Veja o que Esso faz" (cantando). Eu fiquei nesse lugar mais uns dois anos. Daí começou uma coisa forte na minha carreira da publicidade, que foi uma especialização: "o lançador de novidades".
A revista "Tenis Esporte", que era da Rio Gráfica, tinha sido vendida para a editora Guatapará, que queria relançar a revista em grande estilo. Fazer uma movimentação grande no mercado e tal.
E me contratou para ser o cara da área comercial no relançamento dessa revista. A gente relançou a revista, fiquei lá também uns três anos na área de marketing. Também fazia comercial de torneios de tênis aqui no Ibirapuera e em outros lugares de São Paulo, do Brasil. Depois de três anos nessa revista, fui convidado para trabalhar também na área comercial para lançar a primeira revista de vídeo do Brasil, a "Video News", da editora Sigla. Aí que começa realmente a mudança de novo da cabeça. Eu tinha 29 para 30 anos, estava trabalhando para o lançamento da revista, quando meu pai ficou doente, bem doente mesmo, foi uma coisa assim super rápida. Em menos de dois mêses depois de diagnosticada a doença, meu pai morreu.
No dia seguinte era o coquetel de lançamento da revista "Video News".
O enterro foi de manhã, numa segunda-feira. Fui para casa, dormi o dia inteiro e à noite fui para o coquetel, no Sesc Pompéia.
 
A perda
É! Incrível, né? Mas... impressionante, nem eu sei explicar. Mas fui, participei da festa e toda aquela coisa e lançamos a revista. Só que daí eu realmente dei o que chamamos de, "aquela despirocada", no grego. Na Video News, entre entrar, lançar e trabalhar as três primeiras edições, foram nove meses. Depois disso, em um ano mudei quatro vezes de emprego, mudei de casa, de estado civil e acabei mudando de estado também, fui para o Rio de Janeiro. Então foram os meus recordes de pouca permanência em algum lugar. Até TV para aeroporto eu fui vender, na Aero Mídia do Arthur e Carvalho. Antes, eu fiquei três meses na revista Microsistemas, dois meses na MídiaFone, a primeira tentativa de se vender propaganda por telefone. Daí fui para o Rio de Janeiro para gerenciar a revista PentHouse. Eu era gerente, contato, secretário, eu era tudo ali. Mas aí começou realmente a mudar a minha cabeça... Me separei do primeiro casamento e daí no Rio, o fato de estar longe de São Paulo, longe de tudo assim que representava uma boa parte da minha história, vendo o horizonte, o mar, aquela coisa... comecei a repensar a minha vida e uma das coisas que eu coloquei em xeque foi o porquê de eu ter saído da televisão. Por que para fazer uma coisa tem que largar outra? Daí eu formulei um desejo para a minha vida daquele dia em diante: Voltar para a televisão, sem abrir mão da propaganda e da publicidade. E aos poucos isso foi acontecendo. No Rio mesmo o desejo começou a se realizar. A revista PentHouse estava indo mal, o cara estava quebrando e quase fechando a revista; eu ia ter que voltar para São Paulo.
O Silvio Lancelotti era o editor, a revista era ótima, muito bem feita. Mas a editora tomou um tombo grande, pagando adiantado a impressão para uma gráfica que entrou em concordata. A gráfica ficou com o dinheiro dele e não imprimiu... foi uma loucura!
Mas tudo isso quebrando e eu visitava muito a MPM Propaganda, onde tinha grandes amigos, principalmente na criação da agencia. E numa dessas visitas eu ouvi... "É ele!, a cara feliz".
O Liber Matteucci me chamou para fazer uma foto. Era uma foto para mostrarem para o cliente a campanha de lançamento da cerveja Kaiser.
 
Cara feliz
O jingle era assim: "A Kaiser lhe deseja, uma cara feliz!" E eu era a cara feliz da Kaiser.
E o cliente aprovou! Isso foi no final de 83 e eu acho que em março de 84, foi o lançamento da campanha que me colocou em todas as emissoras do país, em caminhões de Coca-Cola,
  Outdoors, tudo. A cara feliz de Kaiser era eu. Em tudo que era boteco tinha o meu cartaz ali. Então eu voltei para São Paulo, totalmente quebrado, me deviam dinheiro, sem emprego... Um desastre, mas voltando a ficar famoso e com a cara feliz de solteiro. Em São Paulo eu trabalhei uns quatro meses na CP, Cinema e Publicidade, vendendo publicidade em cinemas, quando pintou o convite para ir para a Lucky, empresa do Luciano do Valle e do Kiko Leal, que comercializava e produzia eventos esportivos para o Show de Esportes da Band e para todos os programas de esporte da emissora. Foi um período muito bom, porque comecei a ganhar dinheiro de novo. As coisas começaram a rodar melhor, isso durou quase dois anos. Eles mandavam direto na programação. Além do domingo, uma boa faixa durante a semana também era nossa. Chegamos a fazer até 70% de faturamento da emissora com o esporte.
Era um sucesso.
Época de Maguila, de vôlei... era um arraso. Daí a editora Abril me convidou para lançar a revista "Bizz", revista de música jovem. Fiquei dois anos lá, saindo para lançar uma outra revista, a Fotogramas & Vídeo, do Vídeo Clube do Brasil. Eu fui, mas eu sabia que com o dinheiro que eles pagaram para me tirar da Abril, eles não iam conseguir ficar comigo e ainda ter lucro.
Então eu fiz um plano de seis meses e falei: "Um mês antes de vencer esse contrato de seis meses, vamos conversar para ver se eu fico ou não, porque eu acho que não é o caso". Então fizemos um contrato, eu lancei, pus a revista no mercado. Quando chegou no quinto mês, eu não quis renovar. "Poxa. Mas, por quê?"  
"Vocês não estão vendo o tamanho do negócio? Com o dinheiro que vocês me pagam, vocês montam uma equipe e continuam o trabalho, e eu vou sair e cuidar da minha vida".
Naquêle momento eu não queria vender nada. Eu queria dar uma radicalizada de novo. Pensei: eu vou pegar pelo menos um pouco desse dinheiro que eu ganhei nesse tempo e vou ficar três meses sem trabalhar em venda e tentar dar uma trabalhada na minha parte artística, porque eu queria, mas não estava conseguindo trabalhar em televisão. De algum jeito eu queria voltar e não estava dando tempo de insistir na minha entrada na televisão.
Eu só desejava, mas não estava acontecendo nada.
 
TV Gazeta
Nessa mesma época, fui a um programa de entrevistas na TV Gazeta, que era apresentado por um casal na hora do almoço. Era uma mesa só e um casal que entrevistava as pessoas na mesa.
Não me lembro o nome deles, mas era engraçado. Era folclórico o programa. Daí meu irmão e eu fomos a esse programa, almoçamos, e na saída eu perguntei para o apresentador: "Escuta, quem é o diretor artístico daqui da TV Gazeta?", "Ah, acabou de mudar, entrou uma moçada aí, o pessoal do Olhar Eletrônico: Fernando Meirelles, Marcelo Machado,..."
Pensei: "Putz! Que legal! Eu sou fã desses caras". Era uma das coisas que eu estava gostando de ver na televisão na época, as coisas que eles faziam. Eu já tinha feito um trabalho para eles num programa da TV Manchete bem engraçado, "O Mundo no Ar". Era um programete que entrava dentro de um programa independente "Aventura". Fiz um quadro parodiando um comercial de fascículos, "O Mundo Animal". O título do fascículo n.º 1 era "O publicitário", e daí eu era o AIMAL publicitário. Daí liguei para o Marcelo Machado. "Ô, Marcelo, tudo bem?"... Quer dizer que vocês estão numa emissora?", e ele: "Ô, vem pra cá. Você vai ser nosso colaborador permanente".
No dia seguinte fui para lá com meu irmão para um teste em que estavam sendo selscionadas as duplas de humor para o "TV Mix", um programa que rodava a manhã toda e que tinha jornalismo, música, entrevistas, e quadros de humor. E a dupla Côrte e Real, formada no ato foi aprovada.
A gente fazia parte do casting de humor da Gazeta que era a TV da fita crepe e onde faltava fita crepe. Olha só como é que são as coisas, você tem que tomar cuidado com o que deseja, porque o que aconteceu? Nem completei dois meses no humor da Gazeta e o Marcelo Machado pediu para subir na sua sala e me apresentou o Marcos Amazonas, que era o superintendente da emissora. O Marcos me perguntou o que eu estava fazendo e eu: "Estou fazendo humor aqui na Gazeta", "Sim, mas na área comercial?", humor não pagava quase nada lá.
"Estou analisando umas propostas, mas não devo aceitar nenhuma por enquanto. Estou dando um tempo porque estou um pouco folgado e quero me dedicar a isso aqui", "Ah, não! Você vai trabalhar na área comercial aqui da Gazeta". "Ah! Aí sim. Tudo a ver. Vou vender a emissora que veicula o que eu faço, que acredita no meu potencial artístico e comercial... Perfeito!".
E foi a primeira vez que eu consegui juntar as coisas, de verdade. Eu era o diretor comercial da TV Gazeta e humorista do TV MIX.
Foi uma época muito boa. Além do TV MIX, havia o Paulista 900 e as séries "Além da Imaginação", "Perdidos no Espaço", as séries em preto e branco... era muito legal! Depois de oito meses, eu fui ser gerente comercial da TV Manchete. Mas eu só aceitei a proposta da TV Manchete porque eles aceitaram que eu continuasse a fazer humor na TV Gazeta. Uma coisa não era vinculada a outra. Então eu saí do departamento comercial da TV Gazeta ...
 
Rede Manchete e TV Cultura
Daí eu fui para a Manchete, continuei a fazer humor na Gazeta até o final do ano. Daí acabou o "TV MIX", foi desmoronando todo aquele esquema porque o Jorge da Cunha Lima, que era o presidente da Fundação Casper Líbero saiu. Nessa época a Manchete estava construindo o prédio no bairro do Limão. Era uma época meio difícil da Manchete, o único programa que dava alguma audiência era o da Angélica, quando entrava o Jaspion. Poucos programas davam certo, mas de repente entrou a novela "Kananga do Japão" e a audiência começou a subir. Aí veio "Pantanal", e foi uma loucura. A gente ganhava muito dinheiro com o comercial. Mas muito dinheiro!
No final do meu primeiro ano de Manchete, fui convidado para atuar na primeira série do "Rá-Tim-Bum", como Zero-Zero, um simpático marciano que iria ensinar coisas como côres, direita e esquerda, etc. para as crianças da terra. O problema era o seguinte: na Manchete, os Bloch não imaginavam que um gerente comercial pudesse ser liberado em qualquer horário que não fosse sábado e domingo, e olhe lá! Eles não iam me deixar sair para gravar nada. "Tudo bem, a gente pode gravar no domingo". E eu acordava no domingo às sete da manhã, passava a perua da TV Cultura lá para me buscar e ia para o estúdio. Ficava quase uma hora na maquiagem para fazer aquele marciano e fazia o "Rá-Tim-Bum". Voltava morto de cansado para casa no final do dia, mas alegre. Foi maravilhoso! Foi uma das coisas que eu mais tenho orgulho de ter feito na minha carreira artística.
 
 
Programas infantis
Talvez falte mais interação de verdade da criança com o programa.
Tinha um programa maravilhoso que a Bandeirantes exibiu... tão espetacular e durou seis meses, talvez. As crianças falavam sobre todo o tipo de assunto, davam entrevistas... Lindo! O apresentador era uma graça. Como é que você explica que um programa desses não estoure de audiência? Eu sou um cara que é difícil parar em casa... mas eu ficava vidrado no programa.
Duas ou três vezes eu fui à sala do Celso Tavares e falei: "Esse programa é lindo!"
E ele: "Pois é! Vai sair do ar porque não estamos conseguindo vender" (Programa Tagarelas, exibido em 2000). A TV Cultura tem uma tradição boa, o "Bambalalão", "X-Tudo"...
 
Por que não se investe em programas como o Mundo da Lua que a TV Cultura fez?
Olha! Adoraria saber responder. Mas, enfim, eu acho que as pessoas vivem muito no dia-a-dia. Vivem muito no ‘tem que resolver agora’. Parece que tudo é prá ontem, tudo é apressado, eu acho que falta espaço no cérebro da elite empresarial, política, enfim, tudo o que for elite no Brasil... Falta espaço para refletir a função ética e social das coisas. Ontem eu falei isso numa entrevista: "se eu fosse diretor de marketing de uma empresa, por mais que eu tivesse que decidir as opções de mídia para veicular o meu produto, eu ia querer ver o conteúdo dos programas onde estou anunciando". Por mais audiência, ou por menos audiência que ele tenha, entendeu? Eu anunciaria em um pacote de programas que me dessem audiência, mas com qualidade. E é possível fazer isso. Eu acho que os programas deixam de ter qualidade, porque quando um programa sem qualidade dá audiência, ele consegue anunciantes, e isso acaba financiando mais programas sem qualidade. O anunciante tem muita responsabilidade nessa questão. Se o anunciante se preocupasse com a qualidade dos programas aos quais ele vai estar associando a imagem de sua empresa, do seu produto, certamente ele não endossaria produtos de baixa qualidade da televisão.
 
MTV
Bom, na Manchete fiquei dois anos na área comercial, ganhando dinheiro, aquela coisa.
Voltando a 85… quando eu estava na Revista Bizz, comecei a ouvir falar de MTV, MTV, MTV...
Inclusive em uma das edições da "Bizz", vinha uma cartela cheia de adesivos, alguns da MTV.
Eu tinha um violão com um furo que eu tapei com o adesivo da MTV. Então todo dia eu via MTV, MTV, MTV... De volta a 1990… o Marcos Amazonas estava na MTV. Várias vezes fomos almoçar, conversar, mas nada me indicava que ele quisesse me contratar. Até que um belo dia ele me chamou para tomar um drinque na Baiuka, e me disse: "Eu vou te apresentar uma pessoa e ela vai te fazer uma proposta". Daí entra a pessoa, era a Fátima Ali, diretora comercial da MTV.
Festa de aniversário do Ricardo na MTV
 
A proposta era para assumir a gerencia comercial da MTV, visando o lançamento da emissora.
Ela tinha um plano bem ambicioso, que era o de vender, antes que a emissora fôsse para o ar, cinco cotas de anunciantes fundadores. Anunciantes que investissem uma bela verba na MTV, recebendo em troca toda uma ligação institucional com a emissora. Um exemplo próximo hoje, é o canal Futura. A MTV entrou no ar em 20 de outubro de 90. Entrei em agosto com essa missão de vender as cinco cotas de fundadores, missão que já estava em curso, mas sem resultado.
E graças ao trabalho, à sorte, à credibilidade de ser uma empresa do Grupo Abril, e a um grande planejamento que o Marcos e a Fátima fizeram na época, a gente chegou em 20 de outubro, inaugurando a MTV com cinco clientes fundadores: Bamerindus, Skol, Nestlé, Alpargatas e Phillips. E ainda tivemos mais de vinte anunciantes avulsos... Foi um sucesso! Entrou no ar com um prestígio impressionante. Era uma idéia revolucionária mesmo e a gente conseguiu transformar essa idéia em realidade.
 
SEGUNDA PARTE
 
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